Parece um caso raríssimo de perda de memória coletiva que atingiu a cidade de Natividade da Serra, no interior de São Paulo. Lá nenhum dos cerca de sete mil moradores se lembra do "Carnatal-2008", uma festa gratuita de três dias para um público de 35 mil pessoas, com apresentações de bandas de renome regional, telões e um grande show pirotécnico, que teria sido realizado por meio de um convênio de R$ 100 mil com recursos do governo federal para incentivar o turismo na região.
De acordo com as investigações do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas do Estado, a explicação é simples e chocante: a festa nunca aconteceu e o dinheiro sumiu.
No final de 2008, a prefeitura de Natividade da Serra fez uma proposta de convênio ao Ministério do Turismo. O governo federal iria repassar R$ 100 mil e a prefeitura iria desembolsar mais R$ 5 mil. No dia 8 de dezembro, foram publicados os editais convidando para a licitação do evento. Três empresas da região enviaram propostas. A decisão da comissão julgadora foi publicada no dia 18 de dezembro, sendo que a festa estava programada para os dias 26,27 e 28 do mesmo mês.
Segundo a proposta do convênio com o Ministério do Turismo, assinada pelo prefeito da época, João Batista de Carvalho, o Carnatal deveria ter sido divulgado nos meios de comunicação da região e contar com uma infraestrutura de banheiros químicos, barracas de lona, palco, iluminação e segurança na praça Luis Fernandes da Silva, no centro da cidade.
A empresa que ganhou a licitação para produzir o Carnatal em menos de uma semana para o evento foi Gustavo Coura Eventos. Para o Ministério Público Federal, houve fraude na licitação para favorecer a empresa, cujo proprietário é o empresário Gustavo Guimarães, que hoje trabalha vendendo lanches em Lorena. O comissão julgadora da licitação foi formada pessoas ligadas ao ex-prefeito João Batista (um filho, um genro e um funcionário da prefeitura na época).
O dinheiro do Ministério do Turismo foi liberado no dia 12 maio de 2009 e no dia seguinte foi sacado da conta da prefeitura, junto com a contrapartida do munícipio, por meio de um cheque administrativo. O valor total do saque foi de R$ 104.971,50.
As suspeitas sobre o Carnatal 2008 começaram na prestação de contas exigida pelo Ministério do Turismo. A prefeitura estourou todos os prazos para apresentar os comprovantes, o que chamou a atenção do Tribunal de Contas e do Ministério Público Federal. Pelo convênio, o evento deveria ter sido documentado e as imagens enviadas para o Ministério do Turismo. As fotos encaminhadas na época levantaram suspeitas pois não mostravam uma festa do porte do evento combinado.
Em 2013, quando o prefeito da cidade já tinha mudado, a prestação de contas foi definitivamente reprovada pelo Ministério do Turismo. A nova gestão municipal verificou as provas apresentados e constatou-se que as fotos do suposto "Carnatal 2008" tinham sido tiradas em anos anteriores durante a comemoração normal de carnaval. Algumas das pessoas que aparecem nas imagens nem estavam mais na cidade no final de 2008.
Prestação de contas foi forjada e festa nunca existiu, diz o MPF
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MPF
As festas de rua em Natividade da Serra custam em torno de R$ 20 mil e não há uma tradição de carnaval fora de época. Na festa do Peão, principal evento da cidade, o custo é compensado com patrocinadores.
Nos últimos quatro meses, o R7 entrou em contato com representantes das três bandas que, segundo o projeto do convênio, deveriam ter se apresentado no Carnatal 2008. Elas negaram que tocaram na cidade naquele ano. As notas ficais apresentadas pelo Gustavo Guimarães, não especificam quais bandas se apresentaram. Na discriminação do serviço, ele escreveu "bandas regionais" (R$ 30.400) e "infraestrura e marketing" (R$ 72.600).
Com a rejeição das contas, a prefeitura teve que devolver R$ 175.400, o valor foi acrescido de juros, para o governo federal. A dívida foi parcelada em 24 vezes e a prefeitura teve que cortar recursos que iriam para as áreas de Saúde e Educação.
Está marcada para o dia 9 de março de 2017 uma audiência para na Justiça Federal, em Taubaté, para ouvir o empresário Gustavo Guimarães, no processo de improbridade administrativa contra o ex-prefeito de Natividade da Serra.
João Batista de Carvalho disputou a reeleição em 2008, na época o patrimônio dele informado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) era de R$ 130 mil, que consistia em uma casa na cidade e um terreno em Caraguatatuba, no litoral Norte. Ele foi reeleito para a gestão 2009 a 2012 com 3.444 votos (63,4% dos votos válidos). A Justiça determinou o bloqueio dos bens dele e do empresário Gustavo Guimarães.
Outro lado
Por telefone, o empresário Gustavo Guimarães nega que houve fraude. "Não me lembro exatamente quanto foi gasto ao todo, mas a festa aconteceu sim. Todo o evento aconteceu como estava no contrato", disse. Quando foi questionado pelo R7 sobre o destino do dinheiro repassado pelo governo, o empresário desligou o telefone.
Um advogado e amigo do ex-prefeito João Batista de Carvalho, disse que o amigo fez a festa "na raça" e que a acusação de improbidade administrativa contra o ex-prefeito tem viés político. Procurado pelo R7, o ex-prefeito não quis comentar o caso.
O advogado Lucas Salomé, que representa o ex-prefeito, informou que a defesa foi prejudicada porque a atual gestão impediu o acesso a documentos que podem comprovar a licitude do evento. No entanto, a defesa do João Batista não informou onde foi parar o dinheiro do Carnatal 2008.
Fonte: http://noticias.r7.com/sao-paulo/governo-repassa-r-100-mil-para-festa-que-nao-existiu-no-interior-de-sao-paulo-24092016
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